domingo, 10 de abril de 2011

CRUZES, CRUZAMENTO FINAL

Por José Eugênio Maciel

Esqueço-me das horas transviadas...

O Outono mora mágoas nos outeiros

E põe um roxo vago nos ribeiros...

Hóstia de assombro a alma, e toda estradas...

Aconteceu-me esta paisagem, fadas

De sepulcros a orgíaco... Trigueiros

Os céus da tua face, e os derradeiros

Tonos do poente segredam nas arcadas...

No claustro sequestrando a lucidez.

Um espasmo apagado em ódio à ânsia

Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,

E a cor do outono é um funeral de apelos

Pela estrada da minha dissonância...

[...]

Fernando Pessoa – PASSOS DA CRUZ

Sonhos que estavam apenas no começo, ainda por serem sonhados. Vidas principiantes no próprio viver. Meninas e meninos, crianças mutiladas, desfeitas, esfaceladas, sepultadas levando consigo dores indizíveis, sentimentos presos no coração arrancado dos que sofrem a tragédia inominável, monstruosa.

Procurar compreender plenamente tudo que aconteceu e ainda em face do impacto da violência, perda e do luto, pressupõe visões fragmentadas que ainda naturalmente carecem de ordenamento. Mas todas as visões são importantes, policial, jurídica, psicológica, psiquiátrica, histórica, sociológica, cultural, política, educacional, para citar algumas.

Ao conter nas análises o elemento emocional, assim como o racional, nos deparamos com um fato social que não tínhamos como País vivenciado, sem, portanto, termos experiências concretamente de tal proporção e intensidade, haja vista os depoimentos sobre a tragédia.

Sem mencionar o mundo, o Brasil inteiro sentiu-se profundamente envolvido, estarrecido. Na qualidade de professor de Sociologia, em todas as aulas do período da manhã e do noturno, os estudantes queriam que o tema fosse analisado, que eu relatasse, refletisse com eles que expuseram, mais do que narrar o que tinham assistido e lido, expressaram a representação dos acontecimentos e os seus desdobramentos.

A solidariedade do brasileiro espraiou-se intensa e rapidamente, na oralidade, nas orações, na presença de quem mais próximo se irmanou, como os profissionais da saúde que estavam descansando e tão logo souberam do fato se apresentaram nos dois hospitais para ajudar. Das pessoas que foram depositar flores junto ao muro da escola, com mensagens às vítimas, dos que acorreram para confortar os familiares, muitos dos quais conseguiram tomar a iniciativa de doar os órgãos dos seus entes queridos.

A dor não diminui nem agora nem com o tempo. Entretanto, a dor poderá ser suportada à medida que as pessoas recebem conforto, amparo de toda natureza, espiritual, profissional, tudo para que elas possam buscar o prosseguimento da vida delas, especialmente dos pais e avós, dos familiares e dos estudantes que perderam os colegas, amigos deles e que, pela própria idade, vivem pela primeira vez a brutalidade da perda, sobretudo trágica.

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